segunda-feira, maio 31, 2004

Talvez seja esclarecedor...

A Guerra de Tróia é uma daquelas histórias que, por fazer parte de uma espécie de acervo mnemônico da Humanidade, todos acreditam conhecer. Por outro lado, poucos sabem que o único registro desse conflito de proporções colossais encontra-se presente nos quase 16 mil versos da obra "A Ilíada", atribuída ao poeta grego Homero. Trata-se de uma relato tardio. Acredita-se que Homero - que viveu por volta do século XII a.C. - tenha escrito cerca de 400 anos após a queda de Tróia. Como a história e seus personagens já eram, em seu tempo, bastante conhecidos, o poeta não oferece qualquer introdução ao conflito. O primeiro canto da Ilíada trata da rixa entre os dois maiores heróis gregos: Aquiles e Agamenão, já ao final do nono ano e, portanto quase no fim do combate.


Fonte de inspiração para um sem-número de autores e poetas, o estilo de Homero é inconfundível. Dispostos em 24 cantos magníficos, os milhares de versos do poema são o testemunho de uma cultura de tradição oral. Heróis, deuses, sentimentos e idéias misturam-se em uma atmosfera mítica e instigante.

Outro fato desconhecido do grande público e, mesmo polêmico entre os estudiosos, é o verdadeiro objetivo de Homero ter escrito a Ilíada. O rapto de Helena pelo príncipe de Tróia, Páris, é apontado como o principal motivo da guerra, assim como a destruição da cidade de Ílion (nome original de Tróia), o seu desfecho. No entanto, o "olhar homérico" volta-se quase que exclusivamente para a ira do herói grego Aquiles, nas palavras do poeta:

A ira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles,

o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas

trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades

de valentes, de heróis, espólio para os cães,

pasto de aves que por primeiro a discórdia apartou

o Atreide[Agamenão], chefe de homens, e o divino Aquiles.

(Campos, 2003, p.31.)


Por ter se sentido prejudicado pelo rei Agamenão, seu comandante, na partilha dos espólios de guerra, o herói decidiu afastar-se do combate. Segundo Homero, tal decisão o fez responsável por milhares de mortes. Os deuses (e não só os homens, como é comum pensar) foram diretamente afetados pelo orgulho e ira de Aquiles. Algumas divindades, sob o comando de Hera e Atená, decidiram por apoiar os guerreiros gregos e, outras, em especial: Afrodite, Apolo e Ares, permaneceram ao lado dos Troianos. O apoio divino aliado ao forte poderio militar de ambos os lados foram suficientes para que a guerra perdurasse por longos dez anos.

Sem sombra de dúvida, é Aquiles o personagem central de toda a trama. Mas é a sua decisão de voltar à batalha, a sua escolha por uma "vida curta, porém gloriosa" a grande mensagem da principal obra de Homero.
O que, para nós, pode parecer uma opção complicada, para os gregos antigos era, na verdade bastante simples. A coragem e a glória em batalha faziam parte de todo um conjunto de crenças e princípios morais daquele povo, pois somente a garantia de ter o seu nome e feitos de batalha lembrados pelas gerações futuras seria capaz assegurar ao guerreiro uma vida pós-morte igualmente gloriosa. Diferentemente da perspectiva adotada pelo filme "Troy", para Homero, não é o amor o que requer maior atenção do leitor, mas o orgulho do herói.


Como já foi dito, A Ilíada começa com o desentendimento de Aquiles e Agamenão e termina com o resgate e enterro do corpo de Heitor, o maior herói troiano que havia sido morto por Aquiles dias antes. Fato interessante é que a morte deste último - vítima de uma flechada no calcanhar - sequer é citada no poema. O que faz lembrar que assim como esta história, todas as outras lendas relacionadas à guerra não passam de uma reunião de diferentes fontes e autores. A maioria deles sequer conheceu Homero.

Emmanuel Fraga - maio/04

Comments:
Gostei de ler.
 
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