Os Discípulos de Kadu

Uma boa coisa para a saúde são as regras de convivência. Ajudam a evitar maus humores, discussões, contrariedades e sangramentos. A vida ensina. A gente ouve, aprende e passa adiante.
Homens, se vocês não querem irritar suas companheiras ou namoradas, não falem bem da ex na presença delas. Não se sabe por quê elas se sentem comparadas, mesmo quando não é absolutamente essa a intenção. Não existe ex isolada - insípida, inodora, incolor. Outra coisa. Não é bom nem justo ironizar mulher ao volante, mas, se for irresistível, não generalizem. Não insistam em transar se ela não estiver no clima. Não se recusem a transar se ela estiver no clima. Levantem e abaixem o assento do vaso sanitário nos momentos certos, e procurem não confundir qual é o momento certo. É superinconveniente aquele ar vago quando ela fala com vocês. Não resmunguem em vez de dizer logo o que pensam, pois fica claro que não concordam, mas já não têm paciência para argumentar. E podem achar que é mas não digam que beijinho é frescura.
Mulheres, se vocês não querem irritar o seu companheiro ou namorado, não se irritem com as coisas irritantes que ele é capaz de fazer. Não reclamem de certa desorientação momentânea própria do homem quando depara com coisa nova. Aquele ar de perdido se dissipa até a próxima novidade. Não questionem suas certezas quanto aos caminhos a seguir, pois se ele estiver certo tripudiará vitorioso sobr vocês e se não estiver certo ficará tão mal-humorado que as deixará mal-humoradas. Não reclamem da bagunça feita por ele em qualquer ambiente da casa, o que pode ser apenas uma noção muito especial de ordem, e aí é melhor negociar item por item. Ao sair à noite, combinem antes os limites, pois ele odeia ouvir "já chega" quando pede o terciero uísque.
Filhos, não bufem quando a mãe vier outra vez com aquela história de boletim horrível, porque isso só piora a coisa. Ou quando ela fizer alguma observação sobre o comportamento de vocês, mesmo que não o achem assim tão desagradável. Para simplificar, não ponham os pés calçados sobre o sofá, não durmam com a roupa que veio da rua, não deixem caixas com restos de pizza na mesinha da sala, não ocupem por tanto tempo o único telefone da casa, não chegem muito fora do horário combinado etc. Custa?
Quem não quer problemas com o vizinho não estaciona o carro na frente da garagem dele nem que seja por um minutinho, porque é exatamente naquele minutinho que ele vai querer sair ou entrar. Não deixa começar o quebra-quebra da reforma antes das 9 horas. Controla os alto-falantes. Não planta coqueiro que infesta a área de lagartas. Não cria cachorro que late sem parar. Não anda de saltinho se mora no apartamento de cima. Não vai contra a opinião dele em reunião de condomínio.
Em cada profissão o convívio tem suas conveniências. até entre artistas. Quem não quer se indispor com escritor de um grupo não elogia livro do grupo contrário. Drummond escreveu que a vida literária não cria amigos, mas cúmplices. Um maestro só diz para os íntimos o que realmente pensa sobre a obra de outro. O poeta federal não perdoa quem omite o seu nome nas listas dos dez mais. Um romancista que lhe manda livros não suporta perceber que na sua estante não há livros dele.
E há generalidades, regras que valem para todos, manual de sobrevivência na selva. Quem não quer viver perigosamente não deve olhar de modo indiscreto para mulher acompanhada, dirigir a mais de 120, comer camarão em espelunca, nadar em rio de piranha, atravessar trecho urbano de rodovia, encarar bandido, encarar polícia, fumar, comer demais, sair de casa sem os 20 reais do ladráo, aceitar emprego no Iraque, misturar álcool, limão, gelo e volante.