sexta-feira, março 24, 2006

Bunda mole?

Belinha acordou as seis, arrumou as crianças, levou-as para o colégio e voltou para casa a tempo de dar um beijo burocrático em Artur, o marido e de trocarem cheques, afazeres e reclames.
Fez um supermercado rápido, brigou com a empregada que manchou seu vestido de seda, saiu como sempre apressada, levou uma multa por estar dirigindo com o celular no ouvido e uma advertência por estacionar em lugar proibido, enquanto ia, por um minuto, ao caixa automático tirar dinheiro
No caminho do trabalho batucava ansiedade no volante, num congestionamento monstro, e pensava quando teria tempo de fazer a unha e pintar o cabelo antes que se transformasse numa mulher grisalha.
Chegando ao escritório, foi quase atropelada por uma gata escultural que segundo soube, era a nova contratada da empresa para o cargo que ela, Belinha, fez de tudo para pegar, mas que, apesar do currículo excelente e de seus anos de experiência e dedicação, não conseguiu.
Pensou se abdômen definido contaria ponto, mas logo esqueceu a gata porque no meio de uma reunião ligaram do colégio de Clarinha, sua filha mais nova, dizendo que ela estava com dor de ouvido e febre.
Tentou em vão achar o marido e, como não conseguiu, resolveu ela mesma ir até o colégio, depois do encontro com o novo cliente, que se revelou um chato, neurótico, desconfiado e com quem teria que lidar nos próximos meses.
Saiu esbaforida e encontrou seu carro com pneu furado.
Pensou em tudo que ainda ia ter que fazer antes de fechar os olhos e sonhar com um mundo melhor.
Abandonou a droga do carro avariado, pegou um taxi e as criancas.
Quando chegou em casa, descobriu que tinha deixado a porra da pasta com o relatório que precisava ler para o dia seguinte no escritório!
Telefonou para o celular do marido com a esperança que ele pudesse pegar os malditos papéis na empresa, mas a bosta continuava fora de área.
Conseguiu, depois de vários telefonemas, que um motoboy lhe trouxesse a porra dos documentos.
Tomou uma merda de banho, deu a droga do jantar para as crianças, fez a porcaria dos deveres com os dispersos e botou os monstros para dormir.
Artur chegou puto de uma reuniao em Sao Paulo, reclamando de tudo.
Jantaram em silencio.
Na cama ela leu metade do relatório e começou a cabecear de sono.
Artur a acordou com tesão, a fim de jogo. Como aqueles momentos estavam cada vez mais rara no casamento deles, ela resolveu fazer um ultimo esforço de reportagem e transar.
Deram uma meio rápida, meio mais ou menos, e, quando estava quase pegando no sono de novo, sentiu uma apalpadinha no seu traseiro com o seguinte comentário:
- Tá ficando com a bundinha mole, Belinha... deixa de preguiça e começa a se cuidar...
Belinha olhou para o abajur de metal e se imaginou martelando a cabeça do Artur até ver seus miolos espalhados pelo travesseiro!
Depois se viu pulando sobre o torax dele até quebrar todas as costelas!
Com um alicate de unha arrancou um a um todos os seus dentes depois deu-lhe um chute tao brutal no saco, que voou espermatozide para todos os lados!
Em seguida usou a técnica que aprendeu num livro de auto-ajuda: como controlar as emoções negativas.
Respirou tres vezes profundamente, mentalizando a cor azul, e ponderou.
Não ia valer a pena, não estamos nos EUA, não conseguiria uma advogada feminista caríssima que fizesse sua defesa alegando que assassinou o marido cega de tensao pre-menstrual...
Resolveu agir com sabedoria.
No dia seguinte, não levou as criancas ao colégio, não fez um supermercado rápido, nem brigou com a empregada.
Foi para uma academia e malhou duas horas. De l foi para o cabeleireiro pintar os cabelos de acaju e as unhas de vermelho.
Ligou para o cliente novo insuportável e disse tudo que achava dele, da mulher dele e do projeto dele.
E aguardou os resultados da sua péssima conduta, fazendo uma massagem estética que jura eliminar, em dez sessões, a gordura localizada.
Enquanto se hospedava num spa, ouviu o marido desesperado tentar localiza-la pelo celular para descobrir por que ela havia sumido.
Pacientemente não atendeu.
E, como vingança um prato que se come frio, mandou um recado cínico para a caixa postal dele.
- A bunda ainda está mole. Só volto quando estiver dura. Um beijo da preguiçosa...

(Extraído do livro: Este sexo feminino /Patricia Travassos).

Comments:
Muito bom mesmo!!!
 
Fico pensando na vida as vezes, e naquilo que nos espera num futuro bem proximo.... Como sera minha vida de adulta??.... hmm....
 
Uffa... snais de vida da Carol!!! ;)
 
Feministas...

Vocês sabem que poderiamos escrever um texto igualzinho, só trocando o gênero e as situações, não é mesmo?

Mas foi engraçado.
 
O final foi decepcionante! Eu realmente achei que o homem iria se f*der, mas...
 
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